quinta-feira, 22 de março de 2018

Um Cavalheiro em Moscou

Comecei, há poucos dias, a ler Um Cavalheiro em Moscou, do Amor Towles. Ele conta a história de um nobre que foi acusado de escrever uma poesia contrária aos ideais da Revolução Russa, o Conde Aleksandr Ilitch Rostov. Fica confinado ao hotel que morava, em um quarto muito simples e sem poder desfrutar os prazeres de suas idas diárias às ruas de Moscou, que tanto apreciava. Cada personagem, cada descrição é um deleite. Os paradoxos entre o hotel pré e pós-revolução é algo de encher os olhos. Acabei de ler o capítulo 'Aliás', em que o conde se encontra para um chá com sua nova amiga, a menina Nina Kulikova. Ela quer saber como é o dia-a-dia de uma princesa. (Talvez queira se tornar uma, não é?) E ninguém melhor que o conde, que já conheceu algumas princesas, para dar as dicas. Fiquei tão encantada com o capítulo, com os diálogos, que tive que falar um pouquinho sobre o livro mesmo antes de terminar. Nunca tinha lido nada do Towles antes. Mas estou adorando o modo como escreve. Adoro livros com descrições ricas, mas não exageradas. É uma linha muito tênue. Fiquei curiosa para ler  outro livro dele, chamado Regras de Cortesia. Como aficcionada pela história Russa, recomendo a leitura de Um Cavalheiro em Moscou.


sexta-feira, 16 de março de 2018

Se eu fosse eu


De Clarice Lispector, por Aracy Balabanian

Se eu fosse eu
Quando eu não sei onde guardei um papel…
Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor SENTIR.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.
“Se eu fosse eu” parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teriamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos emfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.
Clarice Lispector

quarta-feira, 7 de março de 2018